segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Por que a feiura pesa mais sobre a mulher?

Olhe bem para Hebe Camargo. Ela não é exatamente uma Gisele Bündchen. Nem poderíamos exigir tanto da apresentadora octogenária. Mas Hebe Camargo, com suas madeixas louras, seus diamantes de infinitos quilates e os figurinos muito bem assinados, tem boa aparência. Com as devidas “proporções”, qualidade tão citada nos classificados dos jornais. Exige-se boa aparência para recepcionistas, babás e por aí vai. O mesmo não acontece com motoristas e porteiros. Basicamente porque mulher, mesmo se for competente, precisa ser bonita. E homens, bem, até os mais feios são considerados, no mínimo, interessantes.

Atualmente, enquanto a mulher se torna “velha” e “feia”, homens nem tão bonitos nem tão jovens ganham compensações como “calvo, porém charmoso”, “barrigudo, mas sexy”. O músico Marcelo Camelo e o ator Adrien Brody são os reis dos feios-bonitos. Numa eleição informal (leia box), eles ganharam a briga. Se aplicados os mesmos critérios usados para eleger uma mulher bonita, eles estariam longe do título de semideuses. Um bom exemplo para essa diferença no olhar está mensalmente nas páginas desta revista. Dos 182 ensaios femininos realizados pela Trip (irmã mais velha da Tpm) em 23 anos, apenas oito mulheres tinham mais de 30 anos. Em contraponto, 80% dos ensaios masculinos feitos pela Tpm em oito anos de revista foram com homens que já tinham completado três décadas – ou mais.

A partir da visão simplista de que ser magra e bela está ao alcance de todos, a censura aos que estão fora desse padrão passa a ser um preconceito socialmente aceito. Desde pequena você já sabe: “Não se nasce mulher, se aprende a ser mulher”. Sua mãe, indiretamente, parafraseou Simone de Beauvoir enquanto te presenteava com uma maquiagem de brinquedo ou com uma Barbie – representação absoluta do que é ser bela, leia-se magra, esguia e loira.

"Cansei de ser só a mais inteligente"- Astrid Fontenelle
Desde sempre, mulher é sinônimo de beleza. E, se você é feia, deixou um pouco de ser mulher. Parece até que a natureza não tem nada a ver com isso. E que ter olhos azuis, enfim, é uma questão de escolha. “O mérito atribuído à beleza tornou-se um dever moral. O fracasso não se deve mais a uma impossibilidade mais ampla, mas a uma incapacidade individual”, escreve Joana de Vilhena Novaes em seu livro O Intolerável Peso da Feiura. “Na mulher qualquer desleixo com a aparência é visto como incompetência. A feia é menos mulher, é como se faltasse alguma coisa. Faz parte do feminino aprender a ser bonita, a se cuidar”, completa.

O chavão “toda mulher gosta de se sentir bonita” não é nenhuma mentira. E o questionável, aqui, não é o prazer de cuidar da aparência – e sim quanto isso se tornou uma obrigação e, entre outras coisas, a causa direta de inúmeras doenças ligadas à imagem. Afinal, o modelo de beleza é único. E, se todo mundo pode ser bonita, magra e jovem se assim o quiser, por que o número de anoréxicas, obesas e insatisfeitas com a própria imagem não para de crescer?

Quando Astrid Fontenelle ainda estava na MTV, em meados de 1990, viu de perto uma mudança no padrão de beleza das apresentadoras. Os castings passaram a buscar meninas bonitas com alguma inteligência e certo charme. Astrid sempre soube não ser uma mulher linda. Sabia que era bonita, mas não dentro daquele padrão. “Vendo essa mudança acontecer, trabalhei para ser a mais carismática e inteligente do pedaço”, lembra. O que não quer dizer que a apresentadora não tenha se dobrado a alguns padrões da televisão. Ao longo dos anos, deixou os cabelos mais claros e lisos e ainda botou um aparelho dentário. “Cansei de ser só a mais inteligente. Aprendi a não ter medo de tentar ser mais bonita. Não pra parecer falsa ou mais jovem, mas pra me sentir melhor”, conta.

Antes de a indústria cinematográfica dar as cartas, ou seja, decretar o que é “uma linda mulher”, a literatura não definia exatamente tal coisa. Falava-se da elegância, da postura, das joias e das roupas, mas não ficava claro se os personagens eram loiros ou morenos, gordos ou magros. O máximo a que se chegava eram aos “pés e mãos pequenos”, das personagens de José de Alencar, e aos “olhos de ressaca” (que não se sabe exatamente o que significam), da Capitu de Machado de Assis. “A elegância feminina era sinônimo de beleza, então não havia essa obsessão por um padrão único. À medida que somos bombardeados por imagens, com o aparecimento das grandes divas do cinema, esses paradigmas vão se consolidando”, explica Mary Del Priore. Ou seja, quando se define o que é bonito, automaticamente tudo que é oposto passa a ser considerado feio.

Hebe Camargo está bem colocada no padrão “loira” e Gisele Bündchen no “alta e magra”. “Eleger mulheres louras como belas não deixa de ser masoquista. É uma loucura um país formado por crianças afrodescendentes ter animadoras de programas infantis que sejam 100% louras. Imagine o efeito que isso faz na autoestima dessas crianças”, finaliza Mary. Não só na autoestima de crianças e jovens, como na de mulheres que só enxergam beleza no que está nas capas da maioria das revistas.

É dos feios que elas gostam mais!
O nariz é grande e com cravos, a barriga saliente e as olheiras escorregam até o pescoço. Alguns têm barriga e orelha de abano. Mas são tão lindos. Não exatamente pela aparência, mas pelo olhar, inteligência, pelo jeito como dão uma coçadinha, de leve, na barba por fazer. Inspirada pelos feios mais lindos do planeta, Tpm fez um concurso informal para eleger homens que têm uma feiura cheia de poréns. O vencedor internacional foi o narigudo Adrien Brody, ganhador do Oscar em 2003 por sua atuação em O Pianista. No Brasil, Marcelo Camelo foi o mais citado. “Nunca me achei feio, assim feião, sabe? Todo mundo acostuma com a própria aparência e tende a se achar normal, nem bonito nem feio. Eu sou meio diferentão, mas sempre achei minha graça”, diz o músico, ex-vocalista e guitarrista da banda Los Hermanos. O ator José Wilker, também citado pelas leitoras que já passaram dos 30, sabe que beleza está além de um rosto bonito: “Talvez eu tenha sido eleito pelas coisas que falo, não pela minha beleza”, palpita.

Fonte: RevistaTPM

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